sábado, 20 de junho de 2009

CONVERSA INICIAL: O QUE É ENSINO E APRENDIZAGEM HOJE?

Ensaio: O que é a relação de ensino e aprendizagem?
O diplomata e pensador brasileiro Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) descreve a atualidade de forma que nos é útil para pensar a relação entre professor e alunos, relação esta que é ao mesmo tempo uma relação entre pessoas e uma relação com o conhecimento, ambas marcadas pela tendência de nosso tempo. Rouanet diz que:

depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de
Aushwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação
atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela
degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade.
Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se
traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer (...). O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que
despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna.
Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da
modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma
ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.


Esta mesma fadiga crepuscular da modernidade descrita por Rouanet se encontra refletida em sala de aula. O aluno já não tem mais o antigo respeito reverencial pelo professor, pois não vê sentido no conhecimento, na instituição escolar e muitas vezes na própria vida. Em grande parte tal fenômeno se deve ao fato de que existe uma ideologia que manipula os jovens apenas para o (monstruoso) mercado de trabalho, e que pretende formar apenas mão-de-obra trabalhadora e não seres humanos com sentimentos, desejos, necessidades, sensibilidade e pensamento crítico. Esta ideologia de controle atua silenciosamente através de um impulso inconsciente, o qual a toda hora afirma: "o conhecimento deve ter um sentido prático", "a experiência vale infinitamente mais do que a teoria". Estas duas frases são fruto da modernidade, que desde os iluministas (como foi o caso de Rousseau) busca a verdade na natureza, uma verdade inexistente que se pretende a deusa dos modernos. A Educação anda com isso se mecanizando, se tornando tecnológica e não humana. Mesmo em cursos de formação (fundamental e médio) ou de humanidades, muitas vezes se comete o erro em que alguns pensam somentente na aplicabilidade do conhecimento, na importância de se aplicar a teoria. Parafraseando Rubem Alves, a ciência e a empiria, isto é, o mundo prático, são bons para conhecer uma parte do mundo, mas apenas uma parte.

Seguindo o sentido desta paráfrase, devemos nos perguntar: Qual parte da realidade a "experiência educacional" até agora não apreendeu? Vejamos um vídeo que nos ilustrará a situação:

No vídeo a fala de Jorge Forbes ilustra o fruto do mal-estar na educação vivida na atualidade. Mal-estar derivado das engrenagens modernas postas em movimento pelo iluminismo e sobretudo pelo positivismo e pragmatismo tosco da contemporaneidade. Na escola, estas engrenagens são sustentadas especialmente por uma postura tecnocrata e empirista que levam à considerações equivocadas, que geralmente empobrecem a razão e o saber. Estas considerações geram a opinião de que o conhecimento deve ser aprendido somente se puder ser utilizado como "moeda de troca" e servir para comprar prazer e bens. O saber então se transforma em um item de permuta, ao invés de ter um objetivo de engrandecimento pessoal, intelectual e afetivo. A pessoa que se dá conta que o mercado de trabalho da atualidade geralmente é inóspito, explorador e "stressante" não vai também ver sentido no conhecimento. A verdade da natureza, tantas vezes desejada pelo ideal iluminista fracassou.

Este estado geral de desumanização do mundo na atualidade, leva os jovens a perverter o sentido da educação e do conhecimento, criando dentro da sala de aula um sintoma. Eles se tornam sintomas de uma sociedade que vive uma eterna falta-de-lei, falta-de-tempo, falta de sentido, e sobretudo falta-de-perspectiva , pois vivemos em uma sociedade sem crença nos valores e em si mesma. “Tudo se tornou demasiadamente próximo, promíscuo, sem limites, deixando-se penetrar por todos os poros e orifícios”, diz o filósofo sloveno Slavoj Zizek. A juventude vive então um estado geral de desânimo. Este desânimo não é necessariamente uma depressão, mas um estado de indiferença. Esta indiferença, por sua vez, gera um segundo sintoma: a idéia de que “tudo vale” se tivermos uma boa desculpa para justificarmos os nossos atos. Este "tudo vale" serve como estímulo para o riso patético, para a histeria, ou em última análise, para um excesso de afetos, e em alguns casos para as drogas estimulantes.

Estes excessos, quase sempre se manifestam por meio de um apelo demasiado ao prazer gerado pelos mecanismos sociais, pela mídia e até mesmo pela arte (sobretudo pela música). Ou como diz Foucault na Microfísica do Poder: a sociedade moderna não é mais manipulada pelo "controle-repressão, mas [pelo] controle-estimulação: 'Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!'". É por meio das ordens desta sociedade hedonista (que vive em função do estímulo e do prazer), que o sistema manipula uma parte da sociedade à incultura. É esta ordem hedonista que faz com que jovens se sintam na obrigação de aprender somente se for divertido, e estudar muito (ou decorar?) somente para passar de ano e depois conseguir um emprego que lhes vão dar dinheiro para obtenção do prazer. Caso contrário, não se deve fazer muito esforço para aprender. A relação com o conhecimento se torna uma relação comercial que visa o prazer instantâneo e sem sentido.

Tomando este sintoma da sociedade e da escola como base de reflexão, podemos observar que os jovens contemporâneos sempre estão diante de uma silenciosa voz interna que grita: "Sejamos felizes, mesmo que para isso se esvazie a escola de seu sentido de ensinar e aprender! Vamos para a escola para 'Zoar'!"

Frente à este quadro da sociedade contemporânea, como cidadão, e sobretudo como professor de Filosofia, proponho repensarmos: O que é o ensino e a aprendizagem? Não existe uma resposta pronta para esta pergunta, contudo a questão tem que ser posta, e ações éticas devem ser tomadas no sentido de reestabelecer o sentido do ensino e da aprendizagem. Não podemos mais pensar em uma relação de ensino-aprendizagem que sustente este quadro de falta de valores. Tal ação deve partir do princípio de que o aluno e o professor estão ambos no sentido de que o conhecimento deve ser considerado como um bem, mas que ele tem um fim produtivo que está além de uma relação comercial e banal com o saber. O conhecimento pode e deve ganhar um sentido que criamos para ele, um sentido artístico, que produz beleza. Não a beleza superficial do banal, mas uma beleza que desbanaliza o mundo, uma beleza que o torne novamente um mundo criativamente espantoso. Nossas aulas de Filosofia sempre estarão atentas para este sentido.
Edson Menezes